A legislação brasileira, com o intuito de relativizar a autonomia da personalidade de uma pessoa jurídica, para que não haja abuso ou uso indevido, estabeleceu a possibilidade de sua desconsideração, permitindo a atribuição da responsabilidade de cumprir com a obrigação eventualmente assumida pela empresa aos sócios.
E na relação consumerista, não é diferente, porém, sua aplicação é baseada no entendimento da Teoria Menor da Desconsideração da Personalidade Jurídica. Mas, afinal, qual seria sua implicação na prática?
Ao contrário da regra geral – Teoria Maior –. a qual condiciona a desconsideração mediante a clara comprovação do abuso da personalidade, seja por abuso de direito ou por fraude, nas relações de consumo – Teoria Menor -, a simples demonstração do estado de insolvência ou até mesmo o simples fato de que a personalidade jurídica é um óbice para o ressarcimento dos prejuízos causados na relação de consumo, é o suficiente para que haja a referida desconsideração.
Essa modalidade de aplicação da desconsideração está prevista no §5º do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, a seguir destacado:
Artigo 28. (…)
§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.
Isto posto, não é novidade que as demandas consumeristas visam proteger o consumidor, uma vez que ele é considerado a parte mais vulnerável da relação de consumo. Logo, a aplicação da Teoria Menor aos casos consumeristas evidencia ainda mais essa proteção, pois deixa claro que quem deve suportar o risco da atividade empresarial é, na verdade, o empresário e não o consumidor.
Aliás, com o intuito de demonstrar a aplicação da referida teoria na prática, vejamos algumas jurisprudências do Egrégio Tribunal de Justiça Paulista:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. Decisão que deferiu o pedido. Insurgência do sócio. Não acolhimento. Aplicável ao caso a “teoria menor da desconsideração”, inserida no microssistema legal de tutela de interesses coletivos e prevista no artigo 28, caput e § 5º, do CDC. Suficiência de elementos a justificar a excepcional medida, que depende apenas da demonstração de que a pessoa jurídica se coloca como “de alguma forma, como obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores“. Precedente deste E. tribunal de Justiça. Decisão mantida. RECURSO DESPROVIDO. (TJ-SP – Agravo de Instrumento: 2175899-75.2023.8.26.0000 São Paulo, Relator: Maria Salete Corrêa Dias, Data de Julgamento: 12/12/2023, 2ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 12/12/2023)
E ainda:
INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – Decisão que deferiu a desconsideração de personalidade jurídica da empresa devedora – Relação de consumo – Inteligência do art. 28, § 5º do Código de Defesa do Consumidor – Teoria Menor da Desconsideração – O mero inadimplemento autoriza a desconsideração da personalidade jurídica nas relações de consumo – Orientação jurisprudencial – Decisão mantida – Recurso desprovido. (TJ-SP – AI: 22708563920218260000 SP 2270856-39.2021.8.26.0000, Relator: Claudio Hamilton, Data de Julgamento: 16/03/2022, 25ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 16/03/2022)
Porém, é necessário ressaltar que, apesar da relativização quanto a necessidade de demonstrar o abuso ou a fraude, a imputação da responsabilidade ainda vai observar a prática de atos da administração, assim como se a pessoa integra ou não o quadro societário da empresa.
Em outras palavras, os sócios que não praticam atos de gestão da empresa não podem ser responsabilizados, assim como os gestores que não integram o quadro societário da empresa. A título de exemplificação, vejamos o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 1.862.557:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. PERSONALIDADE JURÍDICA. DESCONSIDERAÇÃO. INCIDENTE. RELAÇÃO DE CONSUMO. ART. 28, § 5º, DO CDC. TEORIA MENOR. ADMINISTRADOR NÃO SÓCIO. INAPLICABILIDADE. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. POLO PASSIVO. EXCLUSÃO. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Para fins de aplicação da Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica (art. 28, § 5º, do CDC), basta que o consumidor demonstre o estado de insolvência do fornecedor ou o fato de a personalidade jurídica representar um obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados. 3. A despeito de não exigir prova de abuso ou fraude para fins de aplicação da Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica, tampouco de confusão patrimonial, o § 5º do art. 28 do CDC não dá margem para admitir a responsabilização pessoal de quem não integra o quadro societário da empresa, ainda que nela atue como gestor. Precedente. 4. Recurso especial provido. (STJ – REsp: 1862557 DF 2020/0040079-6, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 15/06/2021, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 21/06/2021)
Nota-se que o acórdão acima destacado reconheceu a relativização da desconsideração da personalidade jurídica, prevista no Código de Defesa do Consumidor, porém, ainda procurou deixar claro que, apesar de não exigir a prova do abuso ou fraude, a responsabilidade não deve ser imputada aquele que não integra o quadro societário da empresa, ainda que pratique atos de gestão.
Todavia, nesses casos, a responsabilidade ainda poderá ser imputada, através da Teoria Maior da desconsideração da personalidade jurídica, a qual, repisa-se, exige a comprovação do abuso ou fraude.
Nós da equipe do escritório Neves e Maggioni Advogados, nos colocamos à disposição para quaisquer dúvidas que surgirem sobre o tema.
Artigo escrito por Pamela Montesanti Demuci