A RETROATIVIDADE DA ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS DO CASAMENTO À LUZ DO STJ
Entende-se o regime de bens como um conjunto de diretrizes que regula a administração dos bens do casal, bem como define a forma de como será a divisão do patrimônio adquirido antes ou durante o casamento. A importância da escolha do regime reside na proteção do patrimônio, na destinação deste último em caso de divórcio e sua partilha no momento da herança.
É recomendada que a decisão quanto ao regime de bens seja tomada antes da celebração do casamento ou oficialização da união estável, com o fim de evitar impasses futuros. No entanto, em que pese a escolha possa ser realizada de forma antecipada, é possível que o casal decida, a qualquer tempo, por mudar o regime de bens vigente sobre seu relacionamento, conforme autorizado pelo parágrafo 2o do art. 1.639 do Código Civil.
Porém, um assunto que sempre causou certa polêmica na área diz respeito à abrangência
dessa mudança no regime de bens.
Veja-se, até recentemente, entendia-se que a mudança desse regime a qualquer tempo no
relacionamento só produziria efeitos a partir do momento em que essa mudança fosse
ratificada judicialmente (situação essa que é denominada “eficácia ex nunc”). Isto é, tudo
aquilo que fosse adquirido pelo casal até o momento da mudança no regime de bens seria
regido pela forma como anteriormente haviam escolhido, sendo o novo regime aplicável
apenas ao que fosse adquirido posteriormente à mudança realizada.
Todavia, em 25 de abril de 2023, a 4a Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
entendeu que a decisão que reconhece a mudança do regime tem efeitos ex tunc. Tal decisão
ocorreu no Agravo Interno em Recurso Especial n.o 1671422/SP, onde foi determinado
que o regime então modificado pelas partes deveria retroagir à data do casamento:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO. ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS DE SEPARAÇÃO TOTAL PARA COMUNHÃO UNIVERSAL. RETROAÇÃO À DATA DO MATRIMÔNIO. EFICÁCIA “EX TUNC”. MANIFESTAÇÃO EXPRESSA DE VONTADE DAS PARTES. COROLÁRIO LÓGICO DO NOVO REGIME. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Nos termos do art. 1.639, § 2o, do Código Civil de 2002, “é admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros”. 2. A eficácia ordinária da modificação de regime de bens é “ex nunc”, valendo apenas para o futuro, permitindo-se a eficácia retroativa (“ex tunc”), a pedido dos interessados, se o novo regime adotado amplia as garantias patrimoniais, consolidando, ainda mais, a sociedade conjugal. 3. A retroatividade será corolário lógico do ato se o novo regime for o da comunhão universal, pois a comunicação de todos os bens dos cônjuges, presentes e futuros, é pressuposto da universalidade da comunhão, conforme determina o art. 1.667 do Código Civil de
2002. 4. A própria lei já ressalva os direitos de terceiros que eventualmente se considerem prejudicados, de modo que a modificação do regime de bens será considerada ineficaz em relação a eles (art. 1.639, § 2o, parte final).5. Recurso especial provido, para que a alteração do regime de bens de separação total para comunhão universal tenha efeitos desde a data da celebração do matrimônio (“ex tunc”).
STJ – REsp: 1671422 SP 2017/0110208-3, Relator: Ministro
RAUL ARAÚJO, Data de Publicação: DJ 08/09/2022.
No a caso, o casal buscava a modificação do regime de bens de separação total para
comunhão universal, sob o argumento de que o patrimônio, durante o relacionamento, fora
construído em conjunto.
Em primeiro plano, houve deferimento da alteração, mas com efeito ex nunc. Irresignados,
o casal alegou violação ao artigo 1.667 do Código Civil e novamente requereu a aplicação
do efeito ex tunc(isto é, com aplicação do novo regime a todo o período do
relacionamento). Pedido esse que foi acolhido pelo STJ, tendo o relator do caso, o ministro
Raul Araújo, entendido que não haveria prejuízos a terceiros e/ou quaisquer óbices a
aplicação do novo regime a todo o período do relacionamento.
O STJ, portanto, abriu possibilidades para com que as decisões que reconhecem a alteração
do regime tenham efeitos desde a celebração do casamento, sob a luz da autonomia de
vontade das partes e inexistência de prejuízos a terceiros. Essa mudança acarreta também
em consequências no âmbito patrimonial e de planejamento sucessório do casal, o que
implica na análise pormenorizada de cada caso para que a aplicabilidade do referido julgado
seja realizada de forma benéfica às partes.
Por Adelaide Fornari